25 de out. de 2010

Jane Austen não sabia escrever? Uma notícia chocante (ou não)

Já comentei aqui que sigo o Jane Austen Sociedade do Brasil, da Adriana. Então hoje, enquanto apagava e lia meus emails, vi a notícia da newsletter do site: Jane Austen não sabia escrever?
O que significava isso? Fui direto no post e a história é a seguinte:
Saiu na mídia mundial e brasileira a notícia de que Jane Austen era péssima em ortografia. A Adriana até disponibilizou os links de alguns sites:
Escritora Jane Austen era péssima em ortografia", diz especialista de Oxford
Jane Austen era péssima em ortografia
Escritora Jane Austen era péssima em ortografia

Essa notícia diz basicamente que, segundo Kathryn Sutherland, professora da Universidade de Oxford, a escritora desconhecia as regras gramaticais e ortográficas e que por isso suas obras eram reescritas por um revisor. Para afirmar isso, a notícia cita a pesquisa realizada por Kathryn (baseada no estudo de alguns manuscritos não publicados).

O fato é que a notícia divulgada internacionalmente desqualifica tanto Austen quanto o estudo de Kathryn. Não é por menos que o comentário da Adriana pareça agressivo. Vic Sanborn também se irritou. Estão certas, as duas.
Todo mundo sabe que a mídia informa mas também difama. Não vejo motivo pra causar tanta "sensação" essa notícia. Coisa de quem não tem o que fazer, realmente! Deixem Jane Austen e suas obras em paz! Parem de difamar autores de trabalhos acadêmicos por aí e se ocupem de notícias verídicas, e quando se dispuserem a falar de algum assunto que envolva mais de 50 anos anteriores, jornalistas, façam uma pesquisa que preste ao invés de sair espalhando qualquer coisa!

2 de out. de 2010

A unlikely heroine: Jane Austen’s Emma (Costume Chronicles) IV

Publicado no Costume Chronicles, vol. 2, 2010.
A melhor análise da nova adaptação de Emma que eu já li.

Published in Costume Chronicles, vol. 2, 2010.
The best review of the new adaptation of Emma that I have ever read.

Uma heroína improvável: Emma de Jane Austen (A unlikely heroine: Jane Austen’s Emma)
Autora (Author): Hannah Kingsley

Emma Woodhouse é uma heroína improvável. Mesmo a especulativa Jane Austen sentiu que sua personagem não seria muito apreciada pelos outros. No entanto, ela deve ter visto o valor de Emma, e o resultado de sua escrita produziu a querida novela de mesmo nome. Desde então, o livro foi transformado em mais de uma adaptação para o cinema com uma variedade de membros do elenco interessante e estilos diferentes de narrativa visual.
O que faz de Emma Woodhouse uma heroína improvável é que o livro Emma é diferente de muitas novelas de época de Jane Austen. Era comum durante os séculos XVIII e XIX que os livros retratassem heroínas como tendo um caráter de quase perfeita moral, mas Jane Austen nos apresenta aquele que é flagrantemente imperfeito. Há aqueles que estão divididos sobre se deve ou não gostar da ficcional Emma Woodhouse, como Jane Austen havia antecipado, mas apesar da forma como a autora pensou que o público pudesse ver Emma, Miss Emma Woodhouse ganhou muitos fãs e é conhecido como uma fantástica heroína literária escrita.
Aqueles familiarizados com o cânone literário de Jane Austen podem saber que seu romance A Abadia de Northanger zomba do conceito de romance gótico. Emma está de acordo com esta tendência de comédia e satiriza a idéia do que significa ser uma heroína. Uma razão pela qual o livro foi bem-sucedido satirizando heroínas é porque é assim que Emma se assemelha a nós mesmos, inclusive quando estamos no nosso pior. Jane Austen mostra que é possível resgatar alguém que mancha sua própria reputação. Nós podemos desejar que isso seja verdade de nós mesmos, e o realismo humorístico que encontramos em Emma nos dá esperança para o nosso próprio mundo, e para o que às vezes podem parecer imperfeições irreparáveis.
No clássico de Jane Austen, a autora enfatiza ao invés de disfarçar nossas faltas, e consegue retratar o lado humano de seus personagens. Este tema brilha fortemente na adaptação da BBC de 2009, que assume a forma de uma peça de quatro partes e 240 minutos de série de televisão. Ao contrário de outras versões, esta mostra os disparates da heroína, assim como sua forte, deliciosa capacidade enquanto personagem. Mais importante, ela traz a inteligência e bom humor encontrados no livro original de Jane Austen com um impulso de energia nova.
O novo filme é bonito de olhar. As cores são vibrantes, os figurinos e iluminação espetaculares, e refletem a personalidade alegre de Emma. O elenco também é bem escolhido. Romola Garai faz talvez a Emma mais convincente ainda, e Johnny Lee Miller confortável e espetacularmente preenche o papel de Mr. Knightley. O foco do filme não se torna muito as imperfeições relatáveis desconfortáveis de Emma e seus erros ridículos, nem o orgulho de Mr. Knightley, mas a comédia da vida de Emma e da situação em uma escala maior. O filme passa muito tempo olhando para a maneira que as interações de amizade entre Emma e Mr. Knightley moldam sua amizade, e como o riso é central para o relacionamento dos dois personagens. Frequentemente Emma e Knightley usam humor para chegar a um acordo nos conflitos de personalidade, bem como as suas perspectivas de mundo e das pessoas nele. Suas diferenças, influenciadas por suas origens, os anos de idade, a expectativa de vida e os papéis sociais podem causar conflitos, mas são complementares; e enquanto Emma e Mr. Knightley podem argumentar há sempre uma fundação sólida de camaradagem real na base de sua amizade. Sua cálida amizade é bem desenvolvida nessa adaptação.
Algumas das linhas do livro foram reescritas para um melhor aproveitamento da série. Os diálogos fluem com facilidade e ajudam a preencher os personagens.
Mais que um amigo, Mr. Knightley é um obstáculo necessário e divertido pra evitar que Emma fique totalmente entregue a sua própria sorte. O dom natural de Emma para a auto-humilhação através de sua correspondência com excesso de zelo, pressupostos defeituosos e completa cegueira são cuidadosamente equilibrados pela crítica fria de Mr. Knightley a educação de Emma na ausência uma forte figura parental.
Emma Woodhouse é uma das personagens mais livres de Jane Austen, sem qualquer figura familiar autoritária e sem ninguém para vigiá-la verdadeiramente, com exceção do seu pai passivo e hipocondríaco. Isto permite a Emma ser independente e capaz de agir da forma que quiser sem o mínimo de reprovação, exceto Mr. Knightley e suas críticas. O leve desencorajamento de Mr. Knightley do freqüente comportamento excêntrico de Emma serve tanto para protegê-la quanto para moldá-la em uma jovem mulher confiante e bem sucedida.
Emma e Mr. Knightley não são exemplos exclusivos de personagens com qualidades humorísticas nem no romance nem nesta adaptação em particular. As atenções obsequiosas de Mr. Elton oferecem alívio cômico e a bajulação de Frank Churchill fala claramente ao orgulho de Emma. Outros personagens como Miss Bates (uma fonte de tagarelice sem fim) e o tímido de temperamento Mr. Woodhouse contribuem para esta retratação da sociedade do século XIX através das lentes do ridículo. Esta adaptação vai superar as expectativas de muitas pessoas e faz um trabalho maravilhoso em que retrata a história de Emma como uma comédia leve e divertida cheia de familiares e amigos divertidos que chamam a atenção para nossas falhas e zombam de nosso orgulho. Para citar um amigo, Emma confunde um grande momento, mas nós a amamos do mesmo jeito.

Desafio Literário - Outubro: Dewey: um gato entre livros (Vicki Myron e Bret Witter)


Tema: Lição de vida

Mês: Outubro

Título: Dewey: um gato entre livros

Autor(a): Vicki Myron e Bret Witter

Editora: Globo

Nº de páginas: 266

O livro é sobre...
A rotina da pacata cidade de Spencer, Yowa, Estados Unidos, se transforma após Dewey, um gato, ser encontrado na Biblioteca Pública. A diretora da Biblioteca, que achou o gatinho na caixa de devolução, resolve contar a história e lança o livro, Dewey, Um Gato entre Livros. O livro escrito por Vicki Myron, com colaboração de Bret Witte é a história real de um gato que fez da biblioteca - e da cidade de Spencer- sua casa e de seus habitantes, os melhores amigos. Quando foi encontrado, Dewey, já dava sinais de sua gratidão para com aqueles que o acolheram. Mesmo com as quatro patas feridas - pelo frio, o que lhe causou seqüelas - o gato olhou cada pessoa nos olhos, ronronou e acariciou as mãos. "Era como se ele quisesse agradecer pessoalmente a todos que conhecia por salva-lhe a vida" , diz a autora e diretora da Biblioteca Pública de Spencer, no livro.A cada dia, Dewey foi sendo apresentado aos freqüentadores da Biblioteca. Até que uma matéria na primeira página do principal jornal da cidade, de 10 mil habitantes, sob o título: "Perfeito acréscimo ronronante à Biblioteca de Spencer", gerou polêmica entre a população local. Houve quem dissesse que a presença do gato era prejudicial à saúde e outros comemoraram com grande exaltação, como as crianças e os amantes de gato. Mas, com o tempo todos se renderam ao charme e carisma de Dewey. Até o menino alérgico, que preocupava a mãe, voltou e com ela: enquanto ele filmava o gato, a mãe o fotografava. Desfilando entre as prateleiras, Dewey se tornou uma celebridade e conquistou o carinho da população de Spencer. Todos têm certeza de que Dewey ama todos do seu convívio.Senhores só liam jornal quando Dewey estava sentado no colo, crianças só liam livros quando o gato estava próximo delas e, assim, a Biblioteca Pública de Spencer se tornou o ponto de encontro dos moradores. Todos queriam fazer doações para os cuidados com o gato e até o Conselho Municipal se encantou com o charme de Dewey.Segundo a autora Dewey revolucionou a vida de todos os moradores e também o progresso da cidade. " Em 1988, quando o Dewey chegou, era inverno e parecia que a nossa cidade estava triste. Mas,Mas, com o passar do tempo percebemos que a cidade se encheu de alegria e que Dewey inspirou até o progresso da cidade".

Eu escolhi este livro porque...
Foi o primeiro que vi quando procurava livros sobre o tema. Já tinha visto o filme Marley e eu, e não queria ler o livro porque já sabia qual era o fim da história. também acho que não exista outro ser criado por Deus que possa dar lições de vida tão perfeitamente como os animais. Tão irracionais, são os mais próximos de Deus.

A leitura foi...
Ótima, triste, comovente, tudo junto. Engraçado eu ler justamente esse livro, a mamãe tem 10 gatos viralatas que foram abandonados em casa ou que ela ou eu achamos na rua e levamos pra casa pra cuidar. É engraçado, porque nosso pensamento sempre era levar pra casa, cuidar e dar pra adotar. Mas com o passar do tempo, sem ninguém interessado e nós mesmas já nos apegando ao bichinho (muitas vezes aparecia quem queria, mas a mamãe não quis dar porque ainda estava tratando dele e achava que a pessoa não ia continuar com os cuidados. Nisso, os dois cachorrinhos viralatas estão em casa há 4 nos), eles acabam ficando.
Essa semana morreu um dos cachorros mais velhos da mamãe. Os bichos dela sempre morrem de cancêr, não entendo isso. E sou eu que sempre ajudo mais a mamãe a cuidar deles doentes, vou dar água e comida, vou ver porque estão chorando, carrego eles pra fora do canil quando eles estão sem forças... Chorar lendo o livro foi mais um choro porque esse cachorro dela, o Sultão, teve que ser levado às pressas e o veterinário achou melhor colocá-lo pra dormir. Eu sabia que uma hora ia acontecer, mas esperava estar em casa pra me despedir. Qual não foi minha surpresa quando na terça agora liguei pra mamãe e ela me disse que o procedimento já tinha sido feito. E eu nem tinha visto ele e falado com ele pela última vez. É horrível essa sensação. Eu queria ter estado em casa.
A gente se apega muito. Nem quero pensar quando o gato mais velho dela, Ébano (tem esse nome porque ele é todo preto, só tem uma pinta branca no pescoço, lindo), começar a envelhecer.. Na verdade, ele já tem oito anos (como o tempo passa rápido!), Dewey viveu 19 anos... Detesto essa contagem. Dewey foi um gatinho especial pra todos que o conheceram, assim como são os da mamãe pra ela. Sou bibliotecária (quase formada) então adorei que o bicho de estimação da biblioteca tenha um nome tão significativo (Dewey é o sobrenome do homem que inventou o principal código de classificação utilizado pelos bibliotecários do mundo todo. É um sistema fácil de usar, depois que a gente pratica bem). Amei a história. Chorei horrores, pensando em Dewey e sua história comovente, no Sultão, nos gatos e cachorros da mamãe que já estão se arpoximando do fim da vida, e em como as pessoas são cruéis para seus bichos e para os bichos selvagens. Odeio qulaquer tipo de maldade contra animais. Adoro baleias e felinos selvagens (tenho o livro do leão Christian, já ouviram falar dele?). Meu sonho era entrar para o Greenpeace como oceanógrafa, mas não passei no vestibular. Um dia quem sabe. Nunca é tarde para fazer uma faculdade.

A nota que eu dou para o livro:
5 (Ótimo)

The evolution of a fairy tale (Costume Chronicles) III

Publicado na mesma data que o artigo anterior, esse aborda um assunto que eu particularmente amo: contos de fadas.

Published on the same date as the previous article, that addresses a subject that I particularly love: fairy tales.

A evolução de um conto de fadas (The evolution of a fairy tale)
Autora (Author): Laura Pitts


A Bela Adormecida. Branca de Neve. A Pequena Sereia. A Bela e a Fera. Chapeuzinho Vermelho. Todos conhecem muito bem as histórias, quer seja a partir de animações da Disney ou de livros de histórias para crianças dormirem. Mas elas são tão inocentes quanto parecem? Qual é a verdadeira história por trás do conto de fadas?
Por que os contos, ditos feitos para colocar as crianças para dormir, muitas vezes ignorados como inconseqüentes, têm tanto poder para continuarem tão fortes? Sua resistência sugere que eles pré-formam uma função social importante em ajudar as crianças no desenvolvimento de comportamentos, ou, como disse Wilhelm Grimm, são - um manual de boas maneiras para as crianças.
Não há versão definitiva de qualquer conto de fadas, apesar do que contaram a você quando criança. Estes contos não começaram com a Disney, nem com os Irmãos Grimm. Cada variação desses contos ao longo da história tem uma finalidade diferente e um efeito diferente.
A tradição oral antiga do folclore dos contos de fadas foi que eles foram transmitidos ao longo de gerações através do boca a boca. Esses contos populares não eram especificamente destinados a crianças, e reflete todos os elementos da sociedade, tais como crenças, linguagem, filosofia, dança, arte, música, tradições e costumes. Estes contos cativaram o público, assim como os entretenimentos atuais, com horror, comédia, sexualidade e violência surreal e magia. Essas histórias envolvem um elemento didático, na medida em que as mensagens não foram incorporadas como um aviso nascido da necessidade de sobreviver. Na vida do início do século XVI a vida era difícil para a maioria das pessoas, especialmente quando viviam perto da natureza e da dureza da vida selvagem. As primeiras versões dos contos de fadas refletem essa batalha de sobrevivência entre a humanidade e a natureza, como exemplificado nas histórias do Chapeuzinho Vermelho, onde ela usa sua inteligência e astúcia selvagem, a fim de sobreviver.
Na França, em meados da década de 1700, a primeira forma escrita do conto de fadas, nasceu devido à popularidade da tradição oral com a aristocracia. No entanto, o horror e a sexualidade foram muito atenuados e essas histórias foram re-escritas, como veículos exploratórios úteis para as idéias que ocupam a aristocracia da época.
Um exemplo disto pode ser encontrado em A Bela e a Fera, que basicamente reflete a prática social de um casamento arranjado e funciona como um recurso terapêutico na prestação de conforto em que o monstro (maridos indesejáveis) pode ter boas qualidades. Esta versão de A Bela e a Fera reitera normas patriarcais e as expectativas sociais de subordinação feminina aos desejos masculinos.
Os irmãos Grimm "foram os primeiros a dirigir seus contos de fada (publicado ao longo do século XIX), às crianças, e destiná-las para educar, disciplinar e entretê-los. Valores cristãos foram inseridos nas histórias pela primeira vez, como a inocência infantil que substituiu a sexualidade brutal de trabalhos anteriores e papéis de gênero sendo reforçados. No entanto, a mensagem da auto-suficiência foi preservada nos contos de fadas orais, com histórias como Chapeuzinho Vermelho mantendo suas idéias terríveis e assustadoras.
Durante os últimos vinte anos, a re-contagem dos contos de fadas têm muitas vezes incluído uma heroína independente, que é feminina e tem personalidade forte, como a Belle de A Bela e a Fera e Ariel em A Pequena Sereia. Isso reflete o movimento feminista cada vez mais prevalecendo na cultura ocidental, com as mulheres do mundo real começando a afirmar sua independência e autonomia, do mesmo modo que suas contrapartes literárias. Em outras palavras, em vez de o herói salvar o dia, a heroína é esperada para salvar a si mesma.
Nos séculos XX e XXI, os contos de fadas foram recontados e reinventados em forma de animação (por exemplo, A Bela Adormecida da Disney, Cinderela e Branca de Neve e os Sete Anões), na literatura (por exemplo, o Bloody Chamber e outras histórias, de Angela Carter, Confissões de uma irmã de Cinderela, de Gregory Maguire), o movimento pós-modernista tem permitido para os gostos de auto-conhecimento sátiras, como Shrek, um enorme sucesso de bilheteria popular, o que gerou duas continuações. Estes são contos que se adaptaram com a idade, e foram moldados pela cultura em que existem, pois eles são o que a sociedade da época precisa ser, e repetidas recontagens do conto de fadas mostra o prazer que as crianças e adultos ainda encontram nessas histórias antigas.

The myth & symbolism in "The Little Mermaid" (Costume Chronicles) II

Outro artigo traduzido do webzine Costume Chronicles. Publicado no volume 6, 2009, esse artigo aborda a questão da mito que encontramos na história da pequena sereia e seu amor por um príncipe humano, história imortalizada pela Disney.

Another article translate from Costume Chronicles webzine. Published in vol. 6, 2009, this article addresses the myth that we find in the history of the little mermaid and her love for a human prince, story immortalized by Disney.

O mito e o simbolismo em A Pequena Sereia (The myth & symbolism in The Little Mermaid)
Autora (Author): Katie Slawson


Desde o início dos tempos, contos e folclore, mitologia e contos de fadas têm sido preenchidos por criaturas fantásticas e míticas, e desde o início até hoje temos contado estes contos encantados, de temíveis dragões que guardam cavernas escuras, uma Esfinge que pode deixar você viver se desvendar sua misteriosa idade, e de fadas que dançam em volta das clareiras à noite fazendo travessuras.
Mas nenhuma dessas criaturas tem encantado mais as pessoas quanto a sereia. Desde que o homem partiu pelo horizonte, ele voltou com histórias de sua beleza e a mitologia grega escreve sobre suas vozes assombradas crescendo em música, atraindo marinheiros para suas profundezas aquosas. A Odisséia de Homero conta como Ulisses amarrou a si mesmo ao mastro de seu navio para que pudesse ser capaz de ouvir sua música encantadora sem sofrer as conseqüências. No entanto, a mais lembrada, e talvez o retrato mais amado de uma sereia é de Hans Christian Anderson, A Pequena Sereia (Den Lille Havfrue em sua terra natal, em dinamarquês), que foi publicado no terceiro volume de seus Contos de Fadas para Crianças.
Na época, os contos de fadas serviam para educar as crianças sobre a moral e, normalmente, ensinava uma lição valiosa. Embora não se possa dizer que todos os contos de Anderson são completamente desprovidos de qualquer lição de moral, é verdade que os críticos na época, ocasionalmente, encontraram seu trabalho mal pensado, com várias de suas histórias mostrando um simbolismo um pouco confuso. É por esta razão que a interpretação de A Pequena Sereia confundiu os críticos durante anos. Alguns acreditam que é um conto pagão, enquanto outros vêem o simbolismo altamente religioso ser evidente. Ainda outros acreditam que a história transmite um olhar sobre as diferenças sobre as quais se apóia o amor entre homens e mulheres. Então, qual é a resposta? Existe uma resposta, ou no final é simplesmente isso – uma história sem ligações reais com o simbolismo?
É possível que a história poderia ser apenas para entreter. No entanto, deve-se notar que, mesmo que num nível inconsciente por parte de Anderson, existe uma grande dose de simbolismo cristão presente na história. A pequena sereia, caçula de seis filhas do Rei do Mar, anseia por viver na superfície. Cada sereia tem permissão para visitar a superfície ao atingir o seu décimo quinto aniversário, e como cada uma delas retorna para casa ano após ano com histórias de icebergs que brilham como diamantes e peixes que crescem em árvores, cidades cheias de atividade, crianças brincando nos córregos e o céu cheio de estrelas cintilantes, a pequena sereia anseia pela superfície mais do que nunca.
As irmãs também têm um fascínio por tudo que é humano, cada uma delas recolhe objetos caídos de destroços no mar. No entanto, à medida que cresciam, seus interesses por essas coisas diminuíam. Mas não para a pequeno sereia, que continua a passar seu tempo cuidando de seu jardim do mar e sentando sob a proteção de uma estátua de um homem que tinha ela tinha colocado lá. Há algo a ser dito sobre a determinação da jovem princesa. Sua luta e determinação, juntamente com a de suas irmãs, é semelhante ao do caminho com o qual muitos de nós amamos, esperamos e sonhamos, seja ele sobre nosso relacionamento com Deus, ou mesmo uma ambição que temos para o nosso futuro. Muitos de nós, assim como as outras princesas, superam seu amor pelo mundo humano, considerado fantasia de sua infância. A pequena princesa, no entanto, vê claramente que este mundo é o que ela quer e está determinada a nunca abandonar esse sonho.
Quando a pequena sereia faz quinze anos, ela finalmente vai para a superfície onde encontra um navio. As pessoas a bordo participando de uma festa maravilhosa e fogos de artifício iluminam o céu escuro. A pequena princesa observa o príncipe, para quem as comemorações são destinadas. Depois de assistir por algum tempo, uma tempestade se aproxima e o navio é lançado ao mar. A pequena sereia salva o príncipe, descobrindo que ele lembra muito a estátua em seu jardim. Deixando-o em segurança na praia, a pequena sereia observa em desespero quando outra mulher encontra-o e vem em seu socorro. Quando a jovem princesa pergunta a sua avó como os seres humanos morreriam se não podem se afogar em terra, a avó diz-lhe que os corpos dos seres humanos morrem, mas que suas almas vão para o céu onde vivem para sempre. Sereias têm uma vida útil de trezentos anos, mas após a sua morte viram espuma do mar. "Existe algo que eu possa fazer para ganhar uma alma imortal?" A Pequena Sereia pede, e assim começa sua verdadeira jornada. Seu sonho não é apenas se tornar humana, não apenas para se encontrar com o príncipe que ela salvou, mas ser capaz de viver eternamente no reino celestial. Sua sábia avó continua a explicar que se um ser humano amá-la o suficiente para casar com ela "[ele] daria a alma para você e manteria a dele também." Esta poderia ser uma alusão à Noiva de Cristo sendo a Igreja, e o fato de que o amor de Cristo e sua morte por nossos pecados é o que nos permitiu sermos salvos e entrarmos no céu.
A pequena sereia, determinada a obter uma alma imortal, visita uma feiticeira em busca de ajuda. A descrição de sua casa é infernal, como algo imaginado por Dante para o seu Inferno, sua casa é construída com ossos de seres humanos náufragos. Concordando em ajudar, ela dá a pequena sereia uma poção que irá transformar sua cauda em pernas, mas prometendo que “após a primeira manhã após [ele] se casar com outra, o seu coração vai quebrar, e você se tornará espuma na crista das ondas" e depois corta a língua da princesa, levando com ela a sua bela voz. Perder a voz é significativo, porque é a bela voz da sereia que atrai os marinheiros para a morte. Com ela, a pequena sereia certamente poderia usá-la para fazer o príncipe se casar com ela - sem isso, ela perdeu sua identidade e propósito como uma sereia.
Depois de tomar a poção, a cauda da sereia se transforma em duas pernas, e ela é finalmente encontrada pelo príncipe, que a adota como sua querida e amada amiga. Todos os que puseram os olhos nela ficam fascinados por sua beleza e graça. Ela dança mais perfeitamente que qualquer outra no reino, mas sua graça custa um preço ainda maior, pois cada passo que ela dá sobre a terra é como pisar em facas. Seus pés sangram muito, e ainda assim a pequena sereia ri, contente por ficar ao lado do príncipe, apesar da dor. Ainda assim, Anderson faz saber que, apesar do carinho do príncipe pela pequena sereia, "nunca entrou em sua cabeça fazê-la sua esposa:" Nesse ponto agora o simbolismo parece ter mudado, e por enquanto é a pequena sereia que assume o simbolismo de Cristo, enquanto o príncipe representa a raça humana. Então, muitas vezes estamos alheios ao que está em frente de nós: temos um Deus que perdoa os nossos pecados e nos ama incondicionalmente, e muitos de nós nunca paramos para prestar-lhe toda a atenção, ou para confiar n’Ele o suficiente para ter um relacionamento.
Quando o príncipe é convocado para visitar a princesa de um reino vizinho, na esperança de que ele goste dela o suficiente para casar, ele logo descobre que a princesa é a mesma menina que o encontrou na praia. Acreditando que esta menina tenha sido totalmente responsável por salvá-lo do naufrágio do navio, ele declara seu amor, assim como seu desejo de casar com ela. O simbolismo de Cristo continua na sereia que foi responsável por salvá-lo e não a princesa da praia. Tantas vezes nós olhamos para outras coisas na nossa vida para amar e ocupar o nosso tempo. Mas estas coisas não podem nos salvar, do mesmo modo que a menina da praia nunca salvou o príncipe. Somente Cristo, seu amor e sangue podem nos salvar – assim como o amor constante da pequena sereia que salva o príncipe do afogamento e se torna humana – seu sangue flui de seus pés a cada passo que ela dá em nome do amor.
O príncipe casa com a princesa, a quem ele acredita que deve sua vida. As irmãs da pequena sereia aparecem, com os cabelos cortados pela bruxa do mar (o cabelo é outro aspecto de renome das sereias, a beleza, e uma possível alusão religiosa para o corte de cabelo de Sansão), para contar a pequena sereia que se matar o príncipe com um punhal e deixar seu sangue escorrer em seus pés, ela volta a ser uma sereia. No entanto, quando vê seu amado adormecido pacificamente, ela é incapaz ir em frente e joga o punhal no oceano e, em seguida, se joga do navio, à espera de se tornar espuma do mar.
Quando passa um momento e ela não se sente como se estivesse morrendo, o simbolismo muda novamente outro mais confuso que é considerado por alguns críticos até mesmo ter sido adicionado como um epílogo para tornar a história mais triste. Uma voz aparece para a pequena sereia falando a ela sobre "as Filhas do Ar", que poderia ser melhor descrito como um estado purgatório. Se a pequena sereia se esforça para fazer boas ações por trezentos anos, eles serão recompensados com uma alma imortal. Assim, a pequena sereia tem viajado por três elementos: água, terra, ar. Em seguida, vem a lição final, que também parece ter sido adicionada como uma reflexão tardia. As filhas do ar podem obter uma alma em menos de trezentos anos se entrarem em uma casa e "encontrarem um bom filho, que é a alegria de seus pais e merece seu amor." Mas, se vêem "um impertinente ou uma criança má, nós derramamos lágrimas de tristeza, e para cada lágrima um dia é adicionado ao nosso tempo de provação".
É um estranho tipo de lição e, sinceramente, não faz muito sentido. No entanto, as crianças certamente entenderam a mensagem: se fossem boas, a pequena sereia obteria sua alma mais rapidamente. Apesar de sua mistura um pouco complicada e uma complexa mudança de imagens, a história foi, no entanto, amada por muitos, logo se tornando um clássico e, eventualmente, tornando-se ainda mais famosa quando ele foi transformado em filme de animação da Disney. Tão cativante é a história que uma estátua da pequena sereia reside na cidade natal de Anderson, Copenhagen. E lá fica a pequena sereia, empoleirada em cima de uma rocha, silenciosa e solitária, os olhos voltados para o mar adiante, sonhando com o dia em que ela vai obter uma alma imortal.