Sou muito fã de Tolkien. Escrevi esses textos faz um tempo, e agora resolvi partilhar aqui.
Muitos dizem que os papéis desempenhados pelas mulheres na saga tolkeniana são secundários e sem real importância para o desenvolvimento da história. O leitor que prestar bastante atenção, no entanto, perceberá que essa é uma afirmação falsa e ignorante, pois mesmo sendo papéis secundários, são elas que muitas vezes definem o curso da história (para o bem ou para o mal).
J.R.R. Tolkien viveu na primeira metade do século XX, numa época em que a mulher ainda tinha sua vida restrita a submissão ao homem da família (pai, irmão ou marido) e seu trabalho, ao ambiente doméstico. Mesmo com as mudanças ocasionadas pelo surgimento do movimento feminista na Europa, no decorrer do século XIX, o papel da mulher na sociedade se restringia a prática do cuidado ao lar e à família.
Somente com a Segunda Guerra Mundial, as mulheres passaram a exercer um trabalho efetivo na sociedade, assumindo o lugar dos homens nas fábricas, nos escritórios e nas universidades. O movimento feminista também as ajudou na conquista de vários direitos.
RIOS (2005), em seu livro “Senhoras dos Anéis”, demonstra a relevância que Tolkein deu às suas personagens femininas. A análise feita pela autora sobre o elemento feminino nas obras do autor põe termo às discussões sobre o “machismo” presente não somente na saga do Um Anel, mas em toda a mitologia da Terra-média.
O culto à Deusa e sua face Tríplice.
Após muito tempo esquecidos ou relegados à margem da história, hoje os mitos da Deusa têm sido re-introduzidos no mundo ocidental, através principalmente do movimento neopagão conhecido como Wicca. Esse movimento na atualidade tem se distanciado da magia cerimonial e cabalística, buscando as Tradições da Deusa nos “cultos pré-cristãos à Grande Mãe da era Neolítica e Paleolítica.”
O feminismo, como já mencionado acima, fez com que as mulheres reexaminassem seu papel na sociedade, em todos os aspectos, inclusive no religioso.
Já nos anos 70, as mulheres passaram a usar a Deusa como parte do movimento feminista (...) Todas as mulheres que buscaram por seus direitos sociais e políticos encontraram na religião da Deusa um porto seguro. Elas encontraram na deusa força, e pela reiterpretação dos mitos de Deusas guerreiras, sábias, matriarcas e rainhas, conseguiram resgatar sua dignidade na sociedade e sua religiosidade. Com o crescimento dos direitos das mulheres, ressurgiu os interesses nos estudos da Deusa, de suas histórias. (...)
O culto à Deusa foi a primeira religião da humanidade. Através dos séculos, ela adquiriu vários nomes, papéis e faces, daí afirmar que a Deusa é uma força multifacetada. Ela é, ao mesmo tempo, Tríplice e Una. Em várias culturas, ela aparece assumindo uma de suas faces: Donzela, Mãe ou Anciã. Tendo isso em mente, o objetivo do texto é demonstrar quais os papéis desempenhados por algumas das principais personagens femininas tolkenianas, segunda suas características e papéis desempenhados na saga, dentro do quadro wiccaniano.
Primeiramente, seguem-se as características de cada aspecto.
Donzela: Virgem, Filha ou Jovem também são suas denominações. Seu aspecto é de uma mulher jovem, desabrochando para a vida, explorando sua sexualidade e aprendendo sobre sua beleza. Está relacionada à Primavera e sua cor é o Branco.
Mãe: Amiga, Amante, Guerreira ou Irmã são outras denominações desse aspecto. Ela é a Grande Mãe, a Mãe Natureza, Criadora e Doadora da vida de todas as coisas. Seu aspecto é de uma mulher grávida ou com uma criança no colo. Ela também é a Protetora de sua criação. Simbolizada pelo Verão, sua cor é o vermelho.
Anciã: Velha, Avó, Parteira e Sábia são outras denominações desse aspecto da Deusa Tríplice. Ela é a guardiã, do conhecimento oculto, dos mistérios da sabedoria mágica. Ela é a Deusa Tríplice por ela própria, pois já passou pela sensualidade da Donzela, pelas dores do parto da Mãe e agora carrega as memórias dessas passagens.
As mulheres do universo de Tolkien e a Wicca.
Tolkien demonstra em suas obras uma quantidade variada de personagens femininas, que desempenham papéis significativos ao logo da história de acordo com seu poder, seu amor, sua inteligência ou bravura. Listar todas elas seriam um trabalho dispendioso, por isso listei aquelas que, a meu ver, apresentam características mais marcantes e cujos papéis são mais importantes.
Melian: surgiu na Primeira Era, pertencente aos Ainur, que morava nos jardins de Lórien. Melian era a Maia mais bela e mais sábia, esposa do rei Thingol e mãe de Lúthien Tinúviel.
Míriel Serindë: viveu na Primeira Era, elfa que deu à luz Fëanor, o famoso artífice, criador das Silmarils. Primeira esposa de Finwë, Míriel teve suas forças esgotadas após o parto de seu filho e, por isso, desejou abandonar seu corpo e descansar em espírito nos salões de Mandos.
Galadriel: elfa que nasceu durante as Eras das Árvores, filha de Finarfin, rei dos Noldor. Considerada bela entre os Eldar, Galadriel era orgulhosa e forte, lutou contra Fëanor durante os acontecimentos em Aqualondë e governou o reino de Lothlórien na Terra-média.
Lúthien Tinúviel: a mais bela entre os filhos de Ilúvatar, filha de Thingol e Melian, foi a elfa antepassada de todos os homens. Excepcional e incomparavelmente bela, se apaixonou pelo mortal Béren e o ajudou a recuperar uma das Silmarils, encantando Morgoth. Foi a primeira a esolher a mortalidade para ficar ao lado do homem amado e gerou Dior, antepassado de Arwen e Aragorn.
Éowyn: humana, sobrinha de Théoden, Dama Branca de Rohan. Cresceu em um ambiente masculino, aprendeu a montar e a usar a espada com perfeição. Conhece e se apaixona por Aragorn, mas a tristeza pelo amor não correspondido a leva a cometer um ato suicida: enfrentar e matar o Rei Bruxo de Angmar.
A Deusa Donzela
Segundo suas características, Éowyn, a meu ver, é a personagem que se assemelha ao aspecto “Donzela” da Deusa. Jovem, seu “desabrochar para a sexualidade” acontece quando conhece Aragorn e se apaixona por ele. A cor da Donzela é a mesma cor associada a Éowyn, o branco (da neve que degela dando lugar à Primavera).
A Deusa MãeMelian, enquanto Protetora do reino de seu marido, se enquadra no aspecto “Mãe”. O Cinturão de Melian não permitia a entrada e a saída de nenhum estranho no reino de Doriath e foi, por muito tempo, a garantia de segurança de sue povo. Como Mãe, seu papel não foi menor, já que dela nasceu Lúthien, que gerou Dior, cuja filha e seu marido alcançaram a Terra dos Valar e desempenharam um papel importante na guerra de destruição de Morgoth.
Míriel Serindë: a “Mãe” por excelência, aquela que desempenha o papel de Mãe mais proeminente da história, já que foi dela que nasceu Fëanor, o grande artífice responsável pela criação das mais belas gemas élficas: as Silmarils, jóias que carregavam o brilho das Duas Árvores (Dourada e Prateada) de Valinor, e cujos acontecimentos posteriores foram muito importantes para a história.
Galadriel também desempenhou o papel de Protetora e Guerreira, já que foi sob seus domínios que a terra de Lórien conseguiu se proteger e resguardar dos perigos enfrentados pelos povos da Terra-média.
Lúthien: considerada a personagem mais forte de toda a história, enquadra-se nesse papel por ter dado origem a mais bela linhagem de elfos e homens.È a antepassada dos reis de Númenor e dos filhos de Elrond Meio-Elfo, e sua descendência se fecha com o casamento de Aragorn e Arwen.
A Deusa Anciã
Galadriel também se enquadra nesse aspecto da Deusa Tríplice, pois ela É uma anciã. Apesar de não ser a criatura mais velha da Terra-média, o início de sua história esta ligada ao próprio início da história dos elfos. Galadriel carrega em sua memória todos os acontecimentos ligados às Silmarils (os infortúnios e tristezas desde a criação das pedras), viveu as várias eras mencionadas ao longo dos livros, participou da guerra contra os dois Senhores do Escuro (em momentos diferentes).
REFERÊNCIAS
PRIETO, Claudiney. Todas as Deusas do mundo: rituais wiccanianos para celebrar a Deusa em suas diferentes faces. São Paulo: Gaia, 2002. (Col. Gaia Alemdalenda)
RIOS, Rosana. Senhoras dos Anéis: mulheres na obra de J.R.R. Tolkien. São Paulo: Devir, 2005.
12 de jan. de 2010
O elemento feminino em Tolkien
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